O fotógrafo brasileiro fotografou a exploração de ouro em Serra Pelada no ano de 1986, expondo as condições de trabalho precárias ao mundo
Por Davi Rocha, Eduardo Lima, João Marcelo Brandão e Mateus Andrioli
Tudo começou há 40 anos atrás. Quando uma criança encontrou uma pequena pedra de ouro na margem de um riacho em uma fazendo no interior do Pará. A notícia ganhou popularidade, e o que começou com o pai levando a pedra ao dono da terra se transformou na chegada de muitos garimpeiros à região do Carajás em poucos dias.
Pouco tempo depois, milhares de garimpeiros ocuparam a região, em meses, dezenas de milhares e, pouco mais de um ano depois, o lugar tinha sido tomado por pelo menos 50 mil garimpeiros.
Ao longo do tempo a colina Babilônia, como era chamada, se tornou um burcado com 200 metros de profundidade e diâmetro, chamado Serra Pelada. Graças ao número de garimpeiros que se concentraram no local, uma vila a 30 quilômetros de distância do garimpo foi criada, a Vila Trinta.
Por dez anos a Serra Pelada foi a maior mina a céu aberto do mundo até sua “febre” terminar em 1990.
Cálculos estimam que durante dez anos a mina forneceu 100 toneladas de ouro, sem contar os possíveis contrabandos entre os próprios garimpeiros. Isso fez o Brasil, que desde 1850 não era mais expoente no mercado, se tornar um dos maiores produtores de metais em todo o mundo.
Com a chegada na segunda metade da década de 80 a produtividade da mina começou a cair. As 13 toneladas retiradas em 1989 já não eram mais suficientes para sustentar toda a estrutura de drenagem de água criada em volta do garimpo e muito menos os homens que lá viviam e que dependiam do ouro achado. Isso fez com que, cada vez mais, a qualidade de vida no local se tornasse menor, até ficar desumana.
Já na década de noventa, em 1992 quando a Serra Pelada estava em desenfreado declínio, o então presidente Fernando Collor de Mello decidiu cancelar a concessão de moradores que administrava o local e fechar de vez a mina, visando assim, acabar com a precariedade e exploração dos trabalhadores no local. Desde então, a Serra Pelada é um antro de disputas judiciais entre garimpeiros e mineradoras.
O fechamento do local e a expulsão dos mineradores ilegais fez com que o volume de ouro caísse vertiginosamente, chegando a 38 toneladas em 2005. Muitos garimpeiros trabalham até hoje no local impulsionados pelo mito de encontrar uma laje de 50 toneladas de ouro. Aquilo que um dia foi uma febre, hoje é alucinação.
Atualmente, mais de 40 anos depois do início do garimpo da Serra Pelada, cerca de 250 mil pessoas ainda vivem em municípios que se localizam perto da mina. Toda a exploração do ouro gerou um ecossistema que, mesmo depois do fim das atividades, ficou conservado.
É importante lembrar que o garimpo e o desmatamento são fatores que caminham lado a lado para a destruição das florestas. Um reforçando o outro cada vez mais e causando danos incapazes de serem revertidos. Estatísticas e mapas apontam que o início do ciclo do ouro na Serra Pelada coincide com a intensificação do desmatamento do Pará na década de 1980. Pois, além da ocupação, os moradores geram uma demanda por serviço e alimento que levam ao desmatamento de regiões no entorno da mina.
Além disso, com o fim da extração de ouro na Serra Pelada, os garimpeiros se espalharam pela floresta Amazônica e com isso levaram o desmatamento a diversas outras regiões. A destruição da Terra dos Yanomami é só mais uma das visíveis consequências dessa “diáspora”. Mais uma vez o ouro está envolvido na destruição de aldeias e povos indígenas.
Em torno de toda essa história, temos um personagem fundamental. Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu em 1944. Ele se formou em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, com mestrado pela USP e doutorado pela Universidade de Paris. Salgado trabalhava para a Organização Internacional do Café, e em suas viagens começou a fotografar. Já em 1973, trabalhando em Paris, Salgado se tornou um fotojornalista independente .
Por conta do governo militar, Sebastião só teve autorização para voltar ao Brasil e registrar o que acontecia em Serra Pelada no ano de 1986.
A Serra já não estava em seu melhor momento quando Sebastião Salgado chegou para fotografá-la. A colina já havia se transformado numa cratera gigante, que já não tinha muita esperança de ouro. Sem esperança, mas com fé, porque a fé é a prova daquilo que não se vê. Mesmo com a extração de ouro diminuindo, os garimpeiros continuavam ali, tentando encontrar a riqueza em meio à lama. No processo, se enchiam de mercúrio e trabalhavam como condenados.
Em reportagem da revista Zum, se conta que uma piada circulava em Serra Pelada e dizia mais ou menos isso aqui: “Morreram 20 garimpeiros e foram para o Céu. Chegaram lá e começaram a pesquisar para ver onde tinha ouro. São Pedro ficou furioso com a bagunça e falou que não ia entrar mais nenhum garimpeiro no paraíso. Dias depois, morreu um garimpeiro velhinho. Apareceu na porta totalmente equipado com bateia, picareta, pá e rede. São Pedro barrou:
“Garimpeiro aqui não entra mais, já tem muito”. O velhinho insistiu e prometeu tirar todos os garimpeiros do Céu. São Pedro concordou e o velhinho entrou. No dia seguinte, os demais garimpeiros começaram a pedir para ir embora.
Saíram todos e a paz celestial voltou a reinar. Um mês depois o velhinho também pediu para sair. São Pedro se surpreendeu, mas concordou, com uma condição: “antes você tem que me dizer como fez pra tirar os outros daqui”. E o velhinho: “Eu menti para eles que no Inferno tinha uma grota dando muito ouro. Mas, como eles estão demorando muito para voltar, acho que encontraram ouro mesmo, e eu também vou para lá”.”
Sebastião Salgado foi fotografar Serra Pelada como parte de seu projeto “Trabalhadores”. Ele disse: “Logo aprendi que aquilo que à primeira vista parecia um movimento desordenado era, na verdade, um sistema muito sofisticado, no qual cada um dos mais de 50 mil trabalhadores sabia que papel havia escolhido desempenhar”. Salgado percebeu aquilo que muitos outros perceberam sobre as corridas do ouro: é quase impossível ficar rico. Quem se dá bem, normalmente, é quem providencia serviços essenciais para os trabalhadores.
Ao chegar no local, os trabalhadores acharam que o fotógrafo era um espião da empresa Vale do Rio Doce e o receberam de maneira muito hostil. Trombando, xingando e até jogando pedras. Porém, quando descobriram que ele era repórter, foi aceito pela comunidade dos garimpeiros e pode trabalhar em paz.
Quase 40 anos depois, Salgado e sua esposa, a curadora Lélia Wanick, reeditaram os originais para uma exposição no Sesc Paulista, em 2019. Nessa exposição também foi lançado o livro “Gold”, pela editora Taschen, com as fotos de Salgado em Serra Pelada.
Pode-se pensar que o garimpo é assunto do passado, e que essas fotos não fazem mais sentido a não ser como documento histórico. Mas é aí que mora a importância deste trabalho: a área de garimpo ilegal já supera, há 3 anos, todas as terras para mineração industrial legal. O garimpo não está só nos livros de história e fotografia, mas ele está na Amazônia de 2022, também.
Referências:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/26/cultura/1564157673_876694.html
https://fpabramo.org.br/2019/08/09/sebastiao-salgado-retoma-serra-pelada-em-critica-ambiental/
https://www.raisg.org/pt-br/radar/sebastiao-salgado-na-amazonia-serra-pelada/
https://incrivelhistoria.com.br/sebastiao-salgado-serra-pelada/
https://www.fotografemelhor.com.br/materias/formigas-humanas/
https://revistazum.com.br/exposicoes/sebastiao-salgado/