OJ Simpson: o jogador de futebol americano que passou de astro a réu

Por Camila Iannicelli, Juliana Sanches e Leticia Baggio

Os latidos incessantes do cachorro foram altos o suficiente para acordar a vizinhança. É o tipo de situação incomum que inevitavelmente gera alarde, e não foi para menos: por volta da meia-noite daquele 13 de junho de 1994, dois corpos foram encontrados na porta de uma casa em um famoso e abastado bairro de Los Angeles.

Os cadáveres eram de uma mulher chamada Nicole Brown, e de um homem chamado Ronald Goldman. Um assassinato já é um crime que sempre ganha atenção da mídia, mas, nesse caso, não poderia ter sido menos televisionado. Nicole não era uma mulher desconhecida, afinal, seu ex-marido era o ícone do futebol americano OJ Simpson.

OJ Simpson e Nicole Brown antes do trágico assassinato (Foto: reprodução/ Getty Images)

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Orenthal James Simpson – nascido em 9 de julho de 1947 – tinha tudo para ser uma pessoa invisível, se não fosse o talento para o futebol americano, descoberto ainda jovem. Sua infância não foi fácil, crescendo rodeado por violência e dificuldade financeira em São Francisco, o esporte foi uma válvula de escape. Esporte esse que fez com que ele, aos 22 anos, deixasse a Califórnia rumo a Nova York, após assinar um contrato de valor altíssimo com o Buffalo Bills. Apesar de não ter ganhado muitos títulos ao longo da carreira, o americano nunca deixou de ser considerado um astro do futebol, mesmo após sua aposentadoria, em 1979, já estando de volta à sua cidade natal

O jogador de futebol americano superou a marca de 2 mil jardas em 14 jogoS (Foto: reprodução/Sports Illustrated Covers)

O jogador era idolatrado em todo o país, seu talento para o futebol garantiu a ele milhares de fãs e a companhia de muitas pessoas influentes. Mas OJ era uma exceção: ele era um homem negro em um período em que os Estados Unidos viviam uma descriminação escancarada. Simpson era criticado por não usar, nessa época, sua grande voz na mídia para lutar contra a desigualdade racial. “Eu não sou negro, eu sou OJ”.

OJ era casado, mas divorciou-se pouco após conhecer Nicole Brown, uma jovem garçonete que ele decidiu que se tornaria sua esposa após avistá-la em um restaurante. A princípio, a diferença de idade e cor da pele não parecia atrapalhar o relacionamento, mas as aparências enganavam sobre o que realmente acontecia entre o casal. OJ era ciumento e agressivo, tornando a relação muito abusiva. Sem contar as inúmeras traições do jogador.

Capa da revista People, em 1994 (Foto: reprodução/ People)

Eles se divorciaram, mas Simpson perseguia Nicole apesar de estar envolvido com outra mulher, chegando a até mesmo invadir a casa da ex-esposa. A polícia recebeu ligações diversas vezes.

Em 13 de junho de 1994, uma nova chamada surgiu. Mas não foi Nicole quem ligou.

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Os dois corpos estavam com marcas claras de esfaqueamento, e o sangue dos ferimentos ainda estava úmido. Em volta de Nicole e Ronald jaziam pegadas, um envelope contendo um par de óculos, um gorro e uma única luva ensanguentada.

A polícia decidiu, então, procurar o ex-marido da vítima. Para saber se estava tudo bem com ele. Mas OJ tinha acabado de embarcar em um avião rumo a Chicago.

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A família havia se reunido em um restaurante para jantar em comemoração à apresentação do recital da filha. Nicole convidou OJ a comparecer, afinal, eles podiam ser divorciados, mas ele ainda era pai de Sydney. O ex-jogador recusou, tinha um voo marcado. Às 21h30, o restaurante Mezza Luna recebe uma ligação da mãe de Nicole, avisando que esqueceu seus óculos por lá. Enquanto isso, OJ e um amigo vão para o McDonalds e logo voltam para casa.

São 22h15 e um homem toca uma campainha repetidas vezes. OJ deveria embarcar rumo a Chicago às 23h45, então o motorista que o levaria para o aeroporto já estava preocupado com a demora do cliente. Ele persiste por mais de uma hora – aquela sombra que ele viu era uma pessoa chegando na casa? -, até que, cansado e impaciente, decide interfonar uma última vez. Finalmente obtém uma resposta, e um OJ Simpson apressado diz que dormiu demais e tinha acabado de sair do banho. Perdeu a noção no tempo, mas não o voo.

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Os latidos do cachorro e o susto dos vizinhos já não eram os barulhos mais altos da vizinhança. As sirenes dos carros de polícia tomaram a cena rapidamente. Depois de analisar a cena do crime, parte dos policiais retorna às viatura e se desloca para a casa de OJ. A preocupação é o bem-estar dele. Adentrando a residência, o que é encontrado não é o ex-jogador, mas uma forte e inesperada evidência do crime: o outro par da luva, manchado de sangue.

“Quem a matou?”.

Foi a única coisa que OJ Simpson quis saber ao ser informado, por telefone, sobre o assassinato da ex-esposa.

Mas ele, agora, era o principal suspeito do crime.

A primeira coisa que OJ faz ao pisar novamente em solo californiano é ligar para um de seus advogados, Robert Shapiro, responsável por formar o dream team dos julgamentos. Amigo de todos – inclusive dos policiais -, apenas estampou mais um de seus sorrisos acolhedores durante o interrogatório e sequer foi pressionado sobre o corte na sua mão esquerda.

Em uma visita ao grande amigo – e também advogado – Robert Kardashian, OJ decide não se entregar e foge da polícia. No banco traseiro do carro com uma arma apontada para a própria cabeça, estava mais uma vez nos holofotes. Redes de televisão cobriam a perseguição, além de estar rodeado de carros da polícia. Ao fim do espetáculo, OJ é convencido e volta para casa, sendo posteriormente levado à prisão.

Perseguição de OJ Simpson, televisionada para milhões de pessoas (Foto: reprodução/UOL)

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O “Julgamento do Século”.

Foi dessa maneira que ficou conhecida a ida de OJ Simpson aos tribunais. Começou em 26 de setembro de 1994, mas, até que terminasse no final do ano seguinte, recebeu ampla cobertura midiática. Mais de 20 milhões de pessoas assistiram ao julgamento, um recorde de audiência que não era alcançado nem mesmo nas mais importantes finais de campeonatos esportivos.

Diversas eram as provas: a presença de DNA do OJ na luva e no gorro encontrados na cena do crime, uma meia ensanguentada que pertencia a Nicole encontrada na casa de OJ e a pegada na casa dela ter o mesmo número do sapato dele. Porém a causa ainda não estava perdida e o dream team de advogados do suspeito soube articular e se fortalecer com os erros cometidos pela polícia – principalmente na questão de armazenamento das evidências.

OJ Simpson cercado por seus advogados do Dream Team, composto por Johnnie Cochran, Peter Neufeld, Robert Shapiro, Robert Kardashian e Robert Blasier (Foto: reprodução/Insider/Sam Mircovich)

Em um momento de desespero, o promotor do caso pediu, como cartada final, para OJ colocar as luvas que foram encontradas no local. O acusado estava com luvas cirúrgicas por baixo, dificultando o encaixe. Além disso, o objeto foi congelado para preservar o DNA, em um processo que pode ter causado a redução de seu tamanho. OJ se aproveitou das duas situações para utilizar seus dons teatrais aprendidos nos filmes e propagandas que participou, forçando inúmeras vezes a entrada da luva e estendendo as mãos aos juízes, comprovando que ela, de fato, não cabia.

Durante o julgamento, a acusação pediu a OJ que experimentasse um par de luvas que supostamente foi usado nos assassinatos de Nicole Brown e Ronald Goldman (Foto: reprodução/ Getty Images/Vince Bucci)

Após mais uma tentativa sem sucesso, a equipe de advogados usou das questões raciais fortemente em debate na época para defender seu cliente. Para piorar a situação, o policial Mark Fuhrman, responsável por encontrar provas na residência de OJ, foi acusado de ter plantado os objetos após o time de defesa encontrar um áudio do policial insultando pessoas negras. A pressão social, portanto, venceu o judiciário.

O detetive Mark Fuhrman recebeu diversas críticas da mídia após ter um áudio vazado com declarações preconceituosas (Foto: reprodução/Envisioning the American Dream)

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Após quatros horas, a deliberação saiu e OJ Simpson foi inocentado. A chuva de protestos em relação aos direitos dos negros foi o principal favor para que ele fosse absolvido. Favoreceu um homem que cresceu rodeado de preconceitos mas, ao alcançar o pedestal, não fez nenhuma alegação a favor das suas origens. Ignorou todos os protestos em relação aos direitos dos negros para conquistar a sociedade americana branca da qual almejava em fazer parte.

Os negros continuam sendo mortos e as pessoas não enxergam a problemática de uma polícia racista. Porque ela não as atinge.


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