Time do Vasco da Gama, campeão da Série B da 1º Divisão de 1924 (Foto: reprodução / CRVG)

Os estádios são muitas vezes poluídos por casos de racismo causados por torcedores. Lamentavelmente, esses criminosos não recebem as devidas punições e acabam saindo impunes

Por Enzo Damo, Gabrielli Simoni, Giovanna Moretti, Luiz Felipe Forelli, Raphael Leites e Tiago Loiola

Os casos de racismo vêm disparando em 2022, já ocorrendo mais do que a metade do registrado em todo o ano de 2019, líder com 70 ocorrências. “A Conmebol precisa ser mais enérgica, participar, mas nesses casos fora de campo, pois é aí que entram os casos de racismo e entre outros”. Concluiu o Diretor Executivo do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, Marcelo Carvalho.

Mas esses casos já afetaram não só os jogadores mas sim um clube inteiro. Em 1924 o Clube de Regatas Vasco da Gama, recebeu uma carta Associação Metropolitana de Esportes Athléticos, que recusava a inscrição do clube, porque que segundo os dirigentes da EMEA o time cruzmaltino era formado por atletas de profissão duvidosa e o clube não contava com um estádio em boas condições.

Onde tudo começa

O Vasco foi fundado como um clube de remo, em 1898, por um grupo de imigrantes portugueses e luso descendentes, reunidos no bairro da Saúde, no Rio de Janeiro. O nome escolhido foi Club de Regatas Vasco da Gama.

Em novembro de 1915, o clube de futebol Lusitânia foi incorporado ao Cruzmaltino, dando origem ao departamento de futebol do Vasco da Gama, apesar da oposição dos remadores vascaínos. O clube carioca estreou em 3 de maio de 1916, na terceira divisão, perdendo por 10 X 1 em uma disputa com o Paladino Foot-Ball Club.

O clube incorporava em seu plantel jogadores de qualquer origem étnica ou classe social, com a única condição de que soubessem jogar futebol. Em 1922, o Vasco conquistou seu primeiro título ao ganhar a série B da Primeira da Liga Metropolitana, o que lhe abriu a oportunidade de jogar na Primeira Divisão da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres.

A campanha daquele time de 1923 foi excelente. Com onze vitórias, dois empates e uma derrota. Os jogadores vestiam um uniforme preto, ainda sem a faixa diagonal, de gola branca e com a simbólica cruz vermelha, ao lado esquerdo do peito. Foram onze vascaínos ousados, que quebraram a hegemonia do Fluminense, Flamengo, América e Botafogo, clubes que só tinham em seu plantel, jogadores brancos. Esses pioneiros deixaram claro, com a conquista do Carioca daquele ano, que o Vasco chegava para romper as barreiras do preconceito e para se tornar um dos grandes do esporte nacional.

Antes de o Vasco ter sua ascensão, havia, no Rio, uma linha que dividia os grandes clubes da Zona Sul (Fluminense, Botafogo e Flamengo), dos clubes que residiam nos subúrbios cariocas. O máximo que os grandes clubes permitiam à Zona Norte, até aquele momento, era ter o América em seu convívio, como o representante da elite tijucana. As grandes partidas se realizavam em um ambiente refinado.

Mas foi no subúrbio que o Vasco iniciou sua arrancada para chegar à elite. Em apenas seis anos, o time chegou à Primeira Divisão da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, prontos para disputar e ganhar aquele campeonato de 1923. A explicação desse rápido sucesso estava nos negros, mulatos, brancos, pobres e bons de bola, que o clube recrutou, numa época em que o futebol era amador.

Para mantê-los no time, comerciantes portugueses os registraram como empregados em seus estabelecimentos. Era a melhor maneira de burlar a regra do amadorismo, que estava com os dias contados. Registros comprovam que o pagamento aos jogadores já era prática corrente em 1915. Junto com as vitórias, sobre os pequenos e grandes clubes, surgiu o apelido de “Camisas Negras”, dado pela imprensa àquele time da Zona Norte, que ia cada vez mais ganhando fama de imbatível.

Um jogo memorável da campanha irresistível dos Camisas Negras foi o jogo de 8 de julho de 1923. Nesse dia, o Vasco entrou no Estádio de Laranjeiras, para enfrentar o poderoso Flamengo. Todas as torcidas se uniram para torcer contra o Vasco, então eram todos contra um. A partida foi disputadíssima. O Flamengo estava ganhando por 3X2, quando o jogador do Regatas Vasco da Gama, Paschoal Silva, marcou o gol nos minutos finais, garantindo o empate. Mas o juiz Carlito Rocha, que mais tarde seria o presidente do Botafogo, anulou o gol. A derrota não impediu o Vasco de levantar a taça de campeão com a vitória de 3X2 sobre o São Cristóvão. O medo de que o Vasco repetisse o feito no ano seguinte, levou aos grandes clubes a abandonarem a Liga Metropolitana, em 1924. Fluminense, Botafogo e Flamengo, com apoio do Bangu e do São Cristóvão, criaram a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA).

A Resposta

Na década de XX, aconteceu uma das maiores, se não a maior, conquista de um clube. Em 1924, o futebol brasileiro presenciou “A Resposta Histórica”. Essa resposta veio em uma carta do então presidente do Vasco, José Augusto Prestes.

Carta de resposta do Vasco enviada a EMEA (Imagem: site Vasco da Gama / http://vasco.com.br)
Carta de resposta do Vasco enviada a EMEA (Imagem: site Vasco da Gama / http://vasco.com.br)

“Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (…) Nestes termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da AMEA”.

Essa carta se tratava da participação do Vasco na AMEA, entidade criada para que não houvessem jogadores negros, operários e de classes sociais inferiores da mesma maneira que outros clubes de elite carioca, como Flamengo, Botafogo e Fluminense. Foi então, que o Gigante da Colina viu que não teria jeito de inscrever parte de seus jogadores neste torneio, comunicando por meio desta carta que não iria participar da competição, permanecendo jogando na Liga Metropolitana, onde foram campeões invictos naquele mesmo ano.

Em 1925, a AMEA reconheceu a popularidade que o Vasco da Gama havia alcançado e as multidões que o clube levava aos estádios. Foi então, que a entidade passou a aceitar os atletas que tinham sido discriminados no ano anterior e o time Cruzmaltino passou a participar do torneio, conquistando não só a terceira colocação daquele mesmo ano, mas também foram concedidos os primeiros passos para uma diversidade racial e cultural, que com o tempo, enriqueceu o futebol brasileiro, dando espaço para que futuramente nomes como Pelé e Garrincha marcassem à história do esporte.


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